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E o que a gente vai fazer com o corpo?
Um
raio irrompeu na televisão, reduzindo a pó o pato do desenho animado, enquanto
Tamara esperava a resposta de sua irmã.
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A gente enterra no quintal, bem no túmulo do Pluto. Daí, ninguém vai saber.
Luísa
era a mais velha e mais esperta, portanto, foi a responsável por ligar o
liquidificador e manusear a combinação mortífera de manga com leite. Com a
mamadeira cheia, as duas caminharam nas pontas dos pés até o berço de Isadora,
a caçula, que recentemente passara do quarto dos pais para o quarto das
meninas. Não precisavam de mais uma irmã e, principalmente, não precisavam de
mais ninguém para ocupar seu espaço, que já não era muito grande, para começo
de conversa.
A
bebê aceitou com voracidade a bebida oferecida pelas irmãs. Agora, era só uma
questão de tempo. Quando o veneno finalmente fizesse efeito, elas diriam para
os pais que a pequena havia fugido ou sido levada por alguém - alguém que não
fosse um bandido, claro. Diriam também que estava tudo bem, que eles quatro já
bastavam para uma família feliz. E ninguém pensaria em revirar o túmulo do
velho vira-lata para descobrir a verdade. Penduradas no berço, as duas
sorriram. Era um plano à prova de falhas.
Foi
apenas à noite, quando os programas infantis já haviam dado lugar à novela, que
Tamara e Luísa perceberam que a sabedoria popular nem sempre tem razão. Quando
os créditos finais começaram a rolar, as duas foram para a cama, decepcionadas
e ainda alheias à culpa e amargura que permeariam suas vidas a partir daquela
sexta-feira de julho.
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