terça-feira, 4 de junho de 2013

Manga com leite



- E o que a gente vai fazer com o corpo?
Um raio irrompeu na televisão, reduzindo a pó o pato do desenho animado, enquanto Tamara esperava a resposta de sua irmã.
- A gente enterra no quintal, bem no túmulo do Pluto. Daí, ninguém vai saber.
Luísa era a mais velha e mais esperta, portanto, foi a responsável por ligar o liquidificador e manusear a combinação mortífera de manga com leite. Com a mamadeira cheia, as duas caminharam nas pontas dos pés até o berço de Isadora, a caçula, que recentemente passara do quarto dos pais para o quarto das meninas. Não precisavam de mais uma irmã e, principalmente, não precisavam de mais ninguém para ocupar seu espaço, que já não era muito grande, para começo de conversa.
A bebê aceitou com voracidade a bebida oferecida pelas irmãs. Agora, era só uma questão de tempo. Quando o veneno finalmente fizesse efeito, elas diriam para os pais que a pequena havia fugido ou sido levada por alguém - alguém que não fosse um bandido, claro. Diriam também que estava tudo bem, que eles quatro já bastavam para uma família feliz. E ninguém pensaria em revirar o túmulo do velho vira-lata para descobrir a verdade. Penduradas no berço, as duas sorriram. Era um plano à prova de falhas.
Foi apenas à noite, quando os programas infantis já haviam dado lugar à novela, que Tamara e Luísa perceberam que a sabedoria popular nem sempre tem razão. Quando os créditos finais começaram a rolar, as duas foram para a cama, decepcionadas e ainda alheias à culpa e amargura que permeariam suas vidas a partir daquela sexta-feira de julho.

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