- E
se eu abrir, o que acontece? - ele perguntou.
-
Você vai ficando velho, vai ficando velho... e morre – respondeu
sua prima, maior e, portanto, mais sabida. Ao menos em teoria.
Os
dois passavam o Natal no sítio dos avós, no interior, junto com
seus pais e irmãos. O dele era apenas um bebê, enquanto o dela já
era adolescente e preferia dormir e ver televisão a brincar com as
crianças. Assim, tinham apenas um ao outro para passar o tempo.
Vagando pelos quartos inabitados da velha casa, encontraram uma
espécie de depósito em que caixas de papelão dividiam espaço com
estantes que acomodavam objetos antigos e empoeirados, como o pequeno
baú de madeira que ele segurava nas mãos. Sua prima apressara-se em
dizer que ele não deveria abri-lo. Que era perigoso. Agora que ele
sabia o porquê, estava começando a acreditar, embora não quisesse
dar o braço a torcer.
- É
mentira!
-
Lógico que não é! Todo mundo tem um bauzinho assim e, quando abre,
começa a ficar velho. Que nem o vovô e a vovó.
-
Mas eles não morreram!
-
Às vezes demora um pouco. Um dia, vai ficar tudo escuro e eles nunca
mais vão se mexer. É o que acontece com todo mundo que abre o baú.
Ele
girou a caixa nas mãos, procurando algum sinal de seus poderes
sobrenaturais. Ainda sem ter certeza, perguntou:
-
Você já abriu o seu?
-
Eu, não! Nem vou abrir. Eu já sei o que acontece. Não vou ser nem
burra de fazer uma coisa dessas.
Ele
abaixou a cabeça e encarou a caixinha de madeira com as sobrancelhas
franzidas. Não era verdade. Não é assim que as coisas são. Ela
estava tentando assustá-lo. Ela sempre fazia isto. Que nem daquela
vez em que ela disse que melecas eram pedaços de cérebro que
escorriam do seu nariz. Era mentira. Claro que era mentira. Mas e se
fosse verdade? Não era.
-
Você está tentando me assustar!
Ela
levantou e deu de ombros enquanto limpava a poeira da calça.
-
Você que sabe. Se quiser abrir, abre. Eu vou embora porque não
quero ficar de castigo se você morrer.
Ele
ouviu os passos da prima se afastarem e tornou a olhar para o baú.
Tinha que abri-lo. Precisava provar para si mesmo que nada do que ela
havia dito era verdade. Lentamente, levantou a tampa do baú, fazendo
ranger as dobradiças rubras e endurecidas. Então a luz se apagou e
um barulho de passos ecoou pelo depósito, rápidos como em uma
corrida. Enquanto se virava para trás, ele disparou atrás da prima,
pronto para puxar uma briga.
Sem
que ele notasse, o tempo o seguiu, apertando o passo conforme ele
diminuía. Logo, logo, seu corpo estava coberto de rugas e suas
articulações doíam. A comida não tinha mais o mesmo gosto. O
mundo perdera seu colorido. A música, sua sonoridade.
Deitado
em uma cama de hospital, ele olhou com pesar para os pés de galinha
no rosto do filho, que dormia na poltrona de visitas. Pensou em sua
prima, com quem já não se encontrava nas reuniões familiares. Ela
havia morrido em um acidente de carro, fazia tempo. Muito mais do que
deveria. Antes que seu olhos se fechassem pela última vez, pensou no
quão jovem ela era. Talvez ela nunca tenha aberto o baú, no fim das
contas.