terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Madoka Magica: Anime e ser uma menina de 13 anos


 Nas minhas andanças pelo Tumblr, me deparei com este texto, em inglês, que fala um pouco sobre a importância do gênero Mahou Shoujo, ou Garotas Mágicas, para meninas fãs de anime. O mundo dos quadrinhos e animações japoneses é algo do qual me afastei conforme minha adolescência chegou ao fim, mas que foi muito significativo para as duas primeiras etapas da minha vida. Então, resolvi dar uma olhada no texto, que trata de uma série de apenas 12 episódios chamada Puella Magi Madoka Magica. A autora se debruça principalmente sobre a representação da adolescência feminina no anime e eu, bastante interessada na visão colocada por ela, acabei adicionando Madoka Magica à minha lista de coisas para assistir.
Da esquerda para a direita: Kyoko, Sayaka, Mami, Homura e Madoka
  A premissa inicial é a mesma de outras séries de Mahou Shoujo, como Sailor Moon, Guerreiras Mágicas de Rayearth e Sakura Card Captors: um bichinho fofinho aparece para a personagem principal e revela que ela foi escolhida para lutar contra alguma espécie de mal. Neste caso, é o misto de raposa e coelho Kyubey que diz para a protagonista Madoka que ela tem potencial para se tornar uma Magical Girl e lutar contra “bruxas”, seres monstruosos que criam labirintos invisíveis aos olhos humanos e responsáveis por milhões de mortes sem explicação. Para se transformar, tudo o que Madoka precisa fazer é um pedido, que será realizado por meio de um contrato com a estranha criaturinha. Entre as outras personagens da série, estão Mami e Kyoko, duas Magical Girls veteranas, Sayaka, amiga de Madoka, que troca sua vida de adolescente normal pela saúde de seu amado, e Homura, uma aluna de transferência que faz de tudo para que Madoka não se transforme em uma Magical Girl.
 
Kyubey
Porém, Madoka Magica é, antes de tudo, uma desconstrução do gênero. Ao contrário de suas séries irmãs, Madoka Magica não coloca a transformação de suas protagonistas em garotas com poderes mágicos como algo heróico e desejável. Ao longo dos episódios, são reveladas as dúbias intenções de Kyubey e a verdadeira origem das bruxas, nada mais do que Magical Girls que sucumbiram à dor e ao sofrimento causados pela interminável luta e pelas conseqüências de seus próprios desejos. Entre as companheiras de Madoka, Mami se vê completamente sozinha após a morte de sua família, assim como Kyoko, que precisa lidar com o horror em que se transformou sua vida enquanto Sayaka chora a perda do garoto que ama ao mesmo tempo em que carrega o fardo de ter sido enganada por Kyubey e de não ser mais humana.
Em seu tratamento do inferno que se revela ser a vida de Magical Girl, Madoka Magica pinta um retrato da dor que é crescer, especialmente quando você é uma menina. Claro, ser adolescente é horrível para todo mundo, mas a experiência feminina tem determinadas particularidades que os garotos não vivem. A demonização da sexualidade; o abuso quase cotidiano por parte de velhos tarados no meio da rua quando seu corpo e sua mente sequer estão plenamente desenvolvidos; o conflito entre os papeis dicotômicos de “santa” e “puta” impostos pela sociedade; o cruel e irreal padrão de beleza; a competição entre meninas igualmente inseguras gerada por estes fatores e representada na série pela constante luta contra as “bruxas”. Quando Kyubey diz que a maior carga emocional do universo é encontrada em mulheres terrestres em sua segunda etapa de vida, é uma declaração análoga à da personagem Cecilia Lisbon, de As Virgens Suicidas, para o médico que não entende seu sofrimento: “Obviamente, o doutor nunca foi uma menina de 13 anos”. Soma-se à angústia da adolescência o processo opressivo de se tornar mulher e, mais uma vez como as irmãs Lisbon de As Virgens Suicidas, as personagens definham em sua prisão social, representada no filme de Sofia Coppola e no livro de Jeffrey Eugenides pela casa familiar e, no anime, pelo mundo mágico que se abre para as meninas. 

É impossível se identificar com as personagens de Madoka Magica se essa não foi sua experiência? Claro que não! Embora tenhamos uma percepção de que histórias femininas são apenas para uma fatia da sociedade, enquanto as masculinas a representam como um todo – embora leiamos Harry Potter como uma série para crianças e adolescentes, enquanto Jogos Vorazes é para meninas -, basta um pouco de empatia para compreender os sentimentos das garotas e o sacrifício final de Madoka para diminuir o máximo possível o sofrimento de suas amigas, mesmo não sendo capaz de anulá-lo. É uma história de companheirismo entre mulheres que não passa pelo shopping center e que trata suas personagens com uma humanidade ainda difícil de encontrar em produtos infanto-juvenis. São também dignas de nota a professora neurótica constantemente humilhada pelo namorado por ser velha e por não fritar os ovos “do jeito certo” e a mãe de Madoka, uma executiva de sucesso que não é nem uma supermulher, nem negligente: é apenas uma mãe que trabalha. E é doloroso notar que, em pleno século XXI, isto ainda é difícil de achar em obras de ficção, tanto para crianças quanto para adultos.
E o visual dos labirintos é fantástico.
Porém, em uma série que vive da subversão de clichês, é irônico que o mais difícil para o espectador padrão seja passar por cima dos problemas tradicionais dos animes. A estranha erotização de garotinhas colegiais é praticamente inexistente em Madoka Magica, mas as vozinhas estridentes, os diálogos forçados e a incessante obsessão pela personagem principal, no melhor estilo “Seya e os outros cavaleiros”, estão lá, em maior ou menor grau. Para quem teve uma parte considerável da vida regada a uma dieta televisiva japonesa, é fácil passar por cima destes problemas, mas a tarefa pode ser meio complicada para quem perdeu o hábito de ver animes quando ganhou o diploma do primário. 
Mas o visual dos labirintos continua sendo fantástico.

 nem fazendo uma declaraçerrestres em sua segunda etapa de vida, ele n no meio da rua quando seu corpo e sua mente n

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O antigo morador

Somente quando ela deu entrada no apartamento, o corretor de imóveis lhe contou sobre o estranho caso do antigo morador. Júlia ficou levemente incomodada. Não era dada a superstições, mas não conseguiu deixar de pensar que poderia ter procurado outro lugar se fosse um pouco mais sensível e o corretor, mais honesto. Tinha certeza de que ele só lhe dissera a verdade por ela não ter mais como voltar atrás.
Mas ela teria percebido de qualquer forma. O apartamento tinha dois quartos minúsculos, um dos quais era quase todo ocupado por um gigantesco armário de madeira. Vai dar um bom depósito, pensou. Talvez um lugar para guardar roupas e livros que, de outra forma, tomariam grande parte dos cômodos. O único problema era o cheiro de mofo. A cada porta que Júlia abria, o odor adocicado se tornava mais intenso, fazendo arder seus olhos e suas narinas. Mas ia passar. Bastava um pouco de ar e ia passar.
Foi na última divisória do guarda-roupa que Júlia encontrou as evidências da loucura que acometera o antigo morador. Encostados no canto, quadros, pôsteres e fotografias dividiam espaço com as teias de aranha e o fedor insuportável que só fazia aumentar. Crianças e senhoras que sorriam, abraçadas; o time do Botafogo no campeonato brasileiro de 1962, amassado e rasgado nos cantos; Dirty Harry, empunhando sua pistola; um homem e uma mulher na praia, talvez o dono de todos aqueles retratos e alguma irmã ou namorada... Todos tinham os olhos riscados, à caneta ou na ponta da faca.
Júlia sentiu um frio na espinha. Juntou as imagens em uma pilha e enfiou-as de qualquer jeito dentro de uma sacola plástica, que jogou no buraco da lixeira do condomínio. Não queria olhar para elas. Não queria pensar no que poderia ter acontecido no dia em que todas aquelas figuras se tornaram tão assustadoras, no que se passara na cabeça do antigo morador para que ele não apenas se incomodasse com suas presenças, mas com seus olhares. Encostada na parede gelada da cozinha, Júlia respirou fundo. A secura na garganta só passou depois do terceiro copo de água. Ela olhou ao redor, ainda com a respiração irregular, e correu para abrir todos armários da casa. Por causa do mofo. Por causa do mofo.

Em pouco menos de um mês, Júlia já não sentia mais cheiro algum em seu novo apartamento. Até mesmo o eucalipto dos produtos de limpeza já tinha se dissipado, junto com o verniz que antes impregnara os armários de madeira. Os pequenos cômodos vazios foram aos poucos mobiliados. Um sofá, uma cama, uma mesa, cadeiras, uma geladeira, um fogão, uma televisão, enfeites... Na prateleira em cima da cama, Júlia colocou os porta-retratos que exibiam os momentos e as pessoas mais importantes de sua vida; no corredor, as paredes foram cobertas por pôsteres tirados de uma coleção do jornal que imitavam trabalhos de pintores famosos: Gauguin, Renoir, Van Gogh. Sobre o sofá, as Marilyns de Andy Warhol sorriam para os visitantes.
Foi também em pouco menos de um mês que Júlia começou a sentir uma certa estranheza em algumas partes da casa. Primeiro, foi no quarto. As fotografias em cima da cama passaram a incomodá-la de tal maneira que Júlia já não conseguia dormir. Às vezes, fechava os olhos por um breve instante apenas para acordar sobressaltada com alguma coisa que ela não sabia explicar. Seus olhos sempre se voltavam para os porta-retratos.
As manchas roxas ao redor dos olhos de Júlia já chamavam a atenção de seus vizinhos e colegas de trabalho quando ela resolveu levar as fotografias para a sala. Na prateleira, colocou alguns livros que pretendia ler em breve. As noites tornaram-se mais tranquilas, mas o problema fora apenas mudado de lugar. Sempre que ela chegava em casa ou se sentava no sofá para ler ou ver televisão, Marilyn e suas irmãs pareciam rir com um certo deboche de suas roupas, de seu cabelo. Olhavam-na com desprezo. Com um misto de vergonha e raiva, Júlia as fitava nervosamente, sentindo, por cima dos ombros, o riso penetrante das fotografias.
Júlia passava cada vez mais tempo em seu quarto e começara a entrar em casa pela porta da cozinha quando os quadros no corredor começaram a murmurar e segui-la com os olhares. No começo, era só uma impressão, um calafrio que desaparecia assim que ela virava para trás. O pânico cresceu gradativamente no peito de Júlia, ao ponto de ela não mais conseguir ir até a cozinha com a cabeça erguida e as mãos firmes. Evitava ter que passar por ali. Quase não comia e levava jarras de água para o quarto. Apenas quando a sede apertava, voltava para enchê-las. Respirava fundo antes de atravessar o corredor e corria, cada dia mais rápido, até perder o equilíbrio e desabar. De quatro, com as mãos sobre a água e os cacos de vidro, Júlia sentiu o peso dos olhares em suas costas. Ajeitando-se para sentar no chão, ela os encarou. Eles a julgavam, riam, humilhavam-na. Com as mãos sujas de sangue, Júlia cobriu os ouvidos, mas não conseguia abafar a gargalhada que explodia na parede. Júlia gritava, berrava. O rosto quente era aos poucos coberto pelas lágrimas.

A poeira grossa voou de cima da estante e dançou no ar, iluminada pelo sol que entrava pela janela. Não é nada grave, pensou o corretor de imóveis. Ninguém liga para a poeira. Um casal estava para chegar, para dar uma olhada no apartamento, e ele estava dando os retoques finais. No geral, o lugar estava em bom estado. A única coisa que o incomodava eram os quadros e as fotografias: jovens taitianas com os seios a mostra e senhores de chapéu; Marilyn Monroe, sorridente, em diversas cores; homens, mulheres e crianças, pendurados uns nos outros; duas moças na praia. Uma delas era aquela menina e a outra... Talvez uma amiga, uma irmã, ou namorada. Todos tinham os olhos riscados. Por que as famílias nunca os levavam embora? Com o suor escorrendo pelas costas, ele juntou as imagens e largou-as em um canto do guarda-roupa. Era melhor não brincar com essas coisas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Algumas opiniões sobre Django, Tarantino e empoderamento

Este ano, consegui agitar um bolão do Oscar no trabalho. Adoro jogos relacionados a trivia e especulação e aceito qualquer oportunidade de participar até mesmo de bolão da Copa, embora não ligue muito para futebol. Infelizmente, a única vez em que resolvi não entrar na aposta foi também a única chance que tive de ganhar: o objetivo era acertar o resultado do jogo Brasil x Coreia do Norte, em 2010, e poucas pessoas chutaram que o placar seria tão apertado (2 a 1 para o Brasil). Mas é claro que foi pura coincidência. Dei um tiro no escuro e acabei acertado o alvo, mesmo não tendo entrado no campeonato. Já de cinema, sei um pouco mais do que de futebol. Ainda assim, para não mirar a esmo, estou correndo um pouco mais do que o normal para assistir a todos os indicados antes da cerimônia, que será realizada dia 24. Então, em uma sessão lotada, com espectadores perdidos que passeiam no meio das poltronas, assisti a Django Livre.

Cartaz muito melhor do que o dos cinemas.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cibele

Cibele arrumou o vestido de algodão em frente ao espelho do corredor. Ele era vermelho e rodado, como bem mandava a moda, e fora complementado com um fino cordão de ouro e um par de sapatilhas brancas. No topo de sua cabeça, um chumaço de cabelo subia, fazia a curva e se dependurava em um apertado rabo de cavalo. Diante de seu reflexo, Cibele pensou que não estava bonita o suficiente. Queria estar usando um vestido mais elegante, feito com algum tecido fino. Talvez luvas. Porém, quase já não tinha roupas no armário. Havia semanas que usava diariamente seus melhores vestidos e a pilha que eles formavam já ultrapassava a tampa do cesto de roupa suja. Aquele teria que bastar.
Quem via Cibele sentada na soleira de casa, com as mãos sobre o colo, sempre naquele mesmo horário, era capaz de pensar que a menina estava apaixonada pelo carteiro. Porém, seu verdadeiro amor se encontrava dentro da velha bolsa de couro, em meio a remetentes de diversos cantos do mundo. Estevão partira para estudar na Itália e era por ele que Cibele esperava. Ou, ao menos, por suas palavras. Como se elas equivalessem à presença de seu amado, Cibele se arrumava da melhor forma que podia e preparava uma trilha sonora especial para a ocasião. No começo, costumava botar na vitrola um disco de boleros ou um outro de ié-ié-ié, mas não conseguia mais encontrá-los. Então, apenas ligava o rádio e torcia para encontrar uma estação em sintonia com o momento.
Encostada na porta, Dona Amália olhava para filha com pesar e aflição. O pano de prato quase se desfazia em seus dentes. Não sabia mais o que fazer. Tentara conversar com Cibele, explicar a situação. Chegou a trancar a filha no quarto, mas o choro convulsivo da jovem fez com que ela a libertasse. Foi então que começou a parar de lavar as roupas. Embora ela ainda tivesse vestidos no armário, eles eventualmente acabariam e Cibele não poderia sair para esperar o carteiro apenas de calcinha e sutiã. Também escondeu seus discos em uma porta no alto da dispensa. Esperava desencorajar os caprichos da filha ou, ao menos, evitar os olhares zombeteiros e piedosos dos vizinhos. Não teve sucesso.
À noite, seu marido chegaria e perguntaria sobre a filha. Com um simples movimento de cabeça, ela já seria capaz de responder. Eles conversariam sobre uma possível surra de cinto, que logo seria desconsiderada quando Cibele passasse pela sala com os olhos perdidos e cheios de esperança de quem ainda não recebeu o que esperava. Seus pais suspirariam e iriam para a cama, prontos para mais um dia daquela absurda repetição.
Em seu próprio quarto, Cibele se jogaria na cama, alheia ao pedaço de papel em cima de sua escrivaninha. Sobre as folhas já levemente amareladas, as palavras discorriam sobre as belezas do Velho Continente e a longa viagem de navio. Contavam histórias de novos colegas, novos ares, novas experiências. No fim, concluíam que talvez fosse melhor que tudo se acabasse. Com carinho, Estevão.

Aviso:
 A partir de hoje, tentarei atualizar o blog todos os sábados. Talvez às vezes isso não dê lá tão certo, mas podem aparecer para dar uma olhada.