Nas minhas andanças
pelo Tumblr, me deparei com este texto, em inglês, que fala um pouco sobre a
importância do gênero Mahou Shoujo, ou Garotas Mágicas, para meninas fãs de
anime. O mundo dos quadrinhos e animações japoneses é algo do qual me afastei
conforme minha adolescência chegou ao fim, mas que foi muito significativo para
as duas primeiras etapas da minha vida. Então, resolvi dar uma olhada no texto,
que trata de uma série de apenas 12 episódios chamada Puella Magi Madoka
Magica. A autora se debruça principalmente sobre a representação da
adolescência feminina no anime e eu, bastante interessada na visão colocada por
ela, acabei adicionando Madoka Magica à minha lista de coisas para assistir.
Da esquerda para a direita: Kyoko, Sayaka, Mami, Homura e Madoka |
A premissa inicial é a
mesma de outras séries de Mahou Shoujo, como Sailor Moon, Guerreiras Mágicas de
Rayearth e Sakura Card Captors: um bichinho fofinho aparece para a personagem
principal e revela que ela foi escolhida para lutar contra alguma espécie de
mal. Neste caso, é o misto de raposa e coelho Kyubey que diz para a
protagonista Madoka que ela tem potencial para se tornar uma Magical Girl e
lutar contra “bruxas”, seres monstruosos que criam labirintos invisíveis aos
olhos humanos e responsáveis por milhões de mortes sem explicação. Para se
transformar, tudo o que Madoka precisa fazer é um pedido, que será realizado
por meio de um contrato com a estranha criaturinha. Entre as outras personagens
da série, estão Mami e Kyoko, duas Magical Girls veteranas, Sayaka, amiga de
Madoka, que troca sua vida de adolescente normal pela saúde de seu amado, e
Homura, uma aluna de transferência que faz de tudo para que Madoka não se
transforme em uma Magical Girl.
Kyubey |
Porém, Madoka Magica
é, antes de tudo, uma desconstrução do gênero. Ao contrário de suas séries
irmãs, Madoka Magica não coloca a transformação de suas protagonistas em
garotas com poderes mágicos como algo heróico e desejável. Ao longo dos
episódios, são reveladas as dúbias intenções de Kyubey e a verdadeira origem
das bruxas, nada mais do que Magical Girls que sucumbiram à dor e ao sofrimento
causados pela interminável luta e pelas conseqüências de seus próprios desejos.
Entre as companheiras de Madoka, Mami se vê completamente sozinha após a morte
de sua família, assim como Kyoko, que precisa lidar com o horror em que se
transformou sua vida enquanto Sayaka chora a perda do garoto que ama ao mesmo
tempo em que carrega o fardo de ter sido enganada por Kyubey e de não ser mais
humana.
Em seu tratamento do
inferno que se revela ser a vida de Magical Girl, Madoka Magica pinta um
retrato da dor que é crescer, especialmente quando você é uma menina. Claro,
ser adolescente é horrível para todo mundo, mas a experiência feminina tem
determinadas particularidades que os garotos não vivem. A demonização da
sexualidade; o abuso quase cotidiano por parte de velhos tarados no meio da rua
quando seu corpo e sua mente sequer estão plenamente desenvolvidos; o conflito
entre os papeis dicotômicos de “santa” e “puta” impostos pela sociedade; o
cruel e irreal padrão de beleza; a competição entre meninas igualmente
inseguras gerada por estes fatores e representada na série pela constante luta
contra as “bruxas”. Quando Kyubey diz que a maior carga emocional do universo é
encontrada em mulheres terrestres em sua segunda etapa de vida, é uma
declaração análoga à da personagem Cecilia Lisbon, de As Virgens Suicidas, para
o médico que não entende seu sofrimento: “Obviamente, o doutor nunca foi uma
menina de 13 anos”. Soma-se à angústia da adolescência o processo opressivo de
se tornar mulher e, mais uma vez como as irmãs Lisbon de As Virgens Suicidas,
as personagens definham em sua prisão social, representada no filme de Sofia
Coppola e no livro de Jeffrey Eugenides pela casa familiar e, no anime, pelo
mundo mágico que se abre para as meninas.
É impossível se
identificar com as personagens de Madoka Magica se essa não foi sua
experiência? Claro que não! Embora tenhamos uma percepção de que histórias
femininas são apenas para uma fatia da sociedade, enquanto as masculinas a
representam como um todo – embora leiamos Harry Potter como uma série para
crianças e adolescentes, enquanto Jogos Vorazes é para meninas -, basta um
pouco de empatia para compreender os sentimentos das garotas e o sacrifício
final de Madoka para diminuir o máximo possível o sofrimento de suas amigas,
mesmo não sendo capaz de anulá-lo. É uma história de companheirismo entre
mulheres que não passa pelo shopping center e que trata suas personagens com
uma humanidade ainda difícil de encontrar em produtos infanto-juvenis. São também
dignas de nota a professora neurótica constantemente humilhada pelo namorado
por ser velha e por não fritar os ovos “do jeito certo” e a mãe de Madoka, uma
executiva de sucesso que não é nem uma supermulher, nem negligente: é apenas
uma mãe que trabalha. E é doloroso notar que, em pleno século XXI, isto ainda é
difícil de achar em obras de ficção, tanto para crianças quanto para adultos.
E o visual dos labirintos é fantástico. |
Porém, em uma série que
vive da subversão de clichês, é irônico que o mais difícil para o espectador
padrão seja passar por cima dos problemas tradicionais dos animes. A estranha
erotização de garotinhas colegiais é praticamente inexistente em Madoka Magica, mas
as vozinhas estridentes, os diálogos forçados e a incessante obsessão pela
personagem principal, no melhor estilo “Seya e os outros cavaleiros”, estão lá,
em maior ou menor grau. Para quem teve uma parte considerável da vida regada a
uma dieta televisiva japonesa, é fácil passar por cima destes problemas, mas a
tarefa pode ser meio complicada para quem perdeu o hábito de ver animes quando
ganhou o diploma do primário.
Mas o visual dos labirintos continua sendo fantástico. |