A
floresta de pernas cercava o lustroso berço de titânio. Raízes de cores
brilhantes, repletas de amortecedores, que culminavam em caules azulados.
Troncos beges e amarronzados cobertos por uma folhagem de diversas camadas.
Plantas dos mais diversos tipos, dispostas em torno da clareira que abrigava o
bebê. Em meio à selva, um aventureiro abria caminho para observar aquele ser
completamente novo para o mundo.
Miguel
olhou para o irmão por entre as barras do berço. Não era o mesmo cercado de
madeira em que ele dormira, e seu primo antes dele. Era novo. Caro. Resistente.
Belo. Tal qual seu ocupante. Talvez até tivessem sido feitos pela mesma
companhia.
Miguel
se lembrava do dia em que seu pai o levou para ver o irmãozinho no laboratório.
Eles tiraram fotos e Miguel pensou que seus pais haviam feito um péssimo
negócio. Já vira fotos do tempo em que era bebê e elas não mostravam um
etezinho afogado em uma bolha de líquidos, preso a uma máquina por uma corda
que lembrava os estranhos vermes do livro de ciências do seu primo. Mas seu pai
explicou que o novo bebê era diferente. Havia sido criado a partir do melhor
caldo genético e era alimentado apenas por nutrientes escolhidos a dedo. Teria
um nascimento perfeitamente controlado, no dia, na hora, no minuto e no segundo
certos. E sua mãe não sentiria qualquer tipo de dor.
Todos
os parentes, amigos e vizinhos despencaram-se imediatamente após o parto para
ver aquele pequeno milagre da ciência. Era o fim da dor, da doença, das
imperfeições. O sonho da raça humana na forma de bebês rechonchudos,
simétricos, cabeludos e risonhos, como os das fotografias tratadas das capas de
revista.
Miguel
afastou-se do irmão, que dormia, alheio ao que sua saúde e beleza simbolizavam
para os meros mortais ao seu redor. Ou talvez ele soubesse, e justamente por
isso dormisse com tanta leveza. Em frente ao espelho, Miguel tirou os óculos e
examinou sua figura desfocada. Seu irmão não teria problemas de visão como ele.
Também não teria asma como ele. Também não teria aqueles ossos proeminentes e
anêmicos. E nem o nariz que ele herdara da avó, grande demais para o resto do
rosto.
Seu
irmão era forte. Belo. Perfeito. Medonho.
Muito bom! Melhor dizendo Medonho, de arrepiar! Parabens!
ResponderExcluirGrande reflexão sobre a obsessão com a perfeição, em poucas palavras. Isso é que é escrever!
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