sábado, 2 de fevereiro de 2013

Cibele

Cibele arrumou o vestido de algodão em frente ao espelho do corredor. Ele era vermelho e rodado, como bem mandava a moda, e fora complementado com um fino cordão de ouro e um par de sapatilhas brancas. No topo de sua cabeça, um chumaço de cabelo subia, fazia a curva e se dependurava em um apertado rabo de cavalo. Diante de seu reflexo, Cibele pensou que não estava bonita o suficiente. Queria estar usando um vestido mais elegante, feito com algum tecido fino. Talvez luvas. Porém, quase já não tinha roupas no armário. Havia semanas que usava diariamente seus melhores vestidos e a pilha que eles formavam já ultrapassava a tampa do cesto de roupa suja. Aquele teria que bastar.
Quem via Cibele sentada na soleira de casa, com as mãos sobre o colo, sempre naquele mesmo horário, era capaz de pensar que a menina estava apaixonada pelo carteiro. Porém, seu verdadeiro amor se encontrava dentro da velha bolsa de couro, em meio a remetentes de diversos cantos do mundo. Estevão partira para estudar na Itália e era por ele que Cibele esperava. Ou, ao menos, por suas palavras. Como se elas equivalessem à presença de seu amado, Cibele se arrumava da melhor forma que podia e preparava uma trilha sonora especial para a ocasião. No começo, costumava botar na vitrola um disco de boleros ou um outro de ié-ié-ié, mas não conseguia mais encontrá-los. Então, apenas ligava o rádio e torcia para encontrar uma estação em sintonia com o momento.
Encostada na porta, Dona Amália olhava para filha com pesar e aflição. O pano de prato quase se desfazia em seus dentes. Não sabia mais o que fazer. Tentara conversar com Cibele, explicar a situação. Chegou a trancar a filha no quarto, mas o choro convulsivo da jovem fez com que ela a libertasse. Foi então que começou a parar de lavar as roupas. Embora ela ainda tivesse vestidos no armário, eles eventualmente acabariam e Cibele não poderia sair para esperar o carteiro apenas de calcinha e sutiã. Também escondeu seus discos em uma porta no alto da dispensa. Esperava desencorajar os caprichos da filha ou, ao menos, evitar os olhares zombeteiros e piedosos dos vizinhos. Não teve sucesso.
À noite, seu marido chegaria e perguntaria sobre a filha. Com um simples movimento de cabeça, ela já seria capaz de responder. Eles conversariam sobre uma possível surra de cinto, que logo seria desconsiderada quando Cibele passasse pela sala com os olhos perdidos e cheios de esperança de quem ainda não recebeu o que esperava. Seus pais suspirariam e iriam para a cama, prontos para mais um dia daquela absurda repetição.
Em seu próprio quarto, Cibele se jogaria na cama, alheia ao pedaço de papel em cima de sua escrivaninha. Sobre as folhas já levemente amareladas, as palavras discorriam sobre as belezas do Velho Continente e a longa viagem de navio. Contavam histórias de novos colegas, novos ares, novas experiências. No fim, concluíam que talvez fosse melhor que tudo se acabasse. Com carinho, Estevão.

Aviso:
 A partir de hoje, tentarei atualizar o blog todos os sábados. Talvez às vezes isso não dê lá tão certo, mas podem aparecer para dar uma olhada.

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