sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Relógio

Ela quebrou o relógio para fazer o tempo parar.
Com cada golpe da barra de ferro, ela se esforçava para prender no lugar o mundo que se expandia claustrofóbico e a esmagava entre suas paredes espaçosas e distantes. A cada pancada, ela trocava a solidão daquele universo lotado e barulhento pela leveza do vazio. A cada mola, caco, a cada pecinha da engrenagem que voava pelo ar e se espatifava contra a parede, o futuro ia se apagando, dando lugar ao agora, tão real e confortador.
Era um belo relógio, até. Uma relíquia de família que transcendia o sangue e os clãs. Mas ele não lhe servia. Não era capaz de segurar seus ponteiros para salvá-la do juízo que a aguardava, bem como a todos os seus pares. Então, ela o fez em mil pedaços. Esperava, assim, dar um fim ao inevitável abismo em que a forçavam a mergulhar de cabeça, sem qualquer aviso de quando seu suplício terminaria. Com o relógio quebrado, o tempo não poderia passar.
Coitadinha... Mal sabia ela que, com o relógio quebrado, o tempo não teria ninguém para impedi-lo de correr.

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